Livros sobre Caligrafia Árabe publicados no Brasil

Para aqueles que realmente se interessam, eis os dois únicos livros sobre caligrafia árabe que encontrei disponíveis em português, publicados aqui no Brasil. O título é praticamente o mesmo, mas são livros completamente diferentes e na minha opinião ambos se completam:

A Caligrafia Árabe
Aida Rameza Hanania
Editora: Martins Fontes, 1999

Este livro tem como objetivo oferecer o conhecimento da caligrafia árabe em sua tripla dimensão - educativa, iconográfica e estética. O livro apresenta as origens desta arte, a palavra alcorânica e os alicerces da cultura árabe em geral. A autora analisa o percurso do 'khat' (arte da caligrafia) em seu instrumental, estilos e, sobretudo, em sua essência - como fundamento e ao mesmo tempo, tradução de toda uma visão de mundo.

Comentário: A descrição não menciona, mas o livro aborda a caligrafia árabe tendo como exemplo o calígrafo contemporâneo Hassan Massoudy, além de oferecer imagens de ótima qualidade  dos trabalhos desse artista. É um livro que considero essencial e um belíssimo manual teórico.


Caligrafia Árabe

Moafak Dib Helaihel
Edições BibliASPA, 2011

Este livro conta a história da escrita árabe desde o início até os tempos atuais de forma extremamente didática, mostrando passo a passo como preparar a tinta e o cálamo (instrumento usado na caligrafia árabe. Segundo o autor,  calígrafo e artista plástico nascido na cidade de Baalbeck, no Líbano, mas mora em Curitiba, no Paraná, seu livro é o primeiro em língua portuguesa a abordar a caligrafia árabe de forma instrutiva. (Fonte: ANBA)

Comentário: É um verdadeiro manual didático, luxuoso e ricamente ilustrado com muitos exemplares do trabalho do autor. A parte teórica não tem tanto aprofundamento, mas é ótimo para quem deseja ter um contato inicial com a caligrafia árabe, especialmente na parte técnica. 

Mestres da Caligrafia Islâmica

A arte da caligrafia islâmica é passada de mestre para discípulo há séculos. Um mestre calígrafo é alguém que alcançou um elevado nível de habilidade em um ou mais estilos e que também recebeu um certificado ou licença ( Ijaza ) por meio de uma prova.
Houve inúmeros mestres calígrafos ao longo da história. A partir do início do século VII com 'Ali Ibn Abi Talib (600-661), o quarto califa do Islã, podemos mapear a transmissão dos conhecimentos de caligrafia até os dias de hoje através de uma série de mestres. Estes mestres transmitiram seus conhecimentos aos alunos, que se tornaram mestres e por sua vez ensinavam a outros. Diferentes escolas se desenvolveram nesta sequência, sendo cada uma fundada por um calígrafo líder que foi seguido por outros que aprimoravam o  trabalho do fundador.
À seguir, conheça alguns dos principais calígrafos, cujo trabalho desempenhou um papel central no desenvolvimento desta forma de arte:

Ibn Muqla (885-940)

Nome completo: Abu 'Ali Muhammad Ibn' Ali, conhecido como Ibn Muqla ("filho de Muqla")

Biografia: Nascido em Bagdá, tornou-se escriba na administração do califado abássida (750-1258) e depois chefe da Biblioteca Pública do Estado. Foi eleito vizir (conselheiro chefe), três vezes entre 928 e 936, sob diferentes governantes e também foi preso por três vezes durante períodos de turbulência política.
Durante a prisão, seus inimigos cortaram-lhe a mão direita, mas quando liberado, ele continuou a trabalhar com grande habilidade com a mão esquerda. Porém tempos depois, teve sua mão esquerda e língua cortadas e foi lançado na prisão, onde morreu.

Realizações: Codificou os "Seis Estilos" ( Al Aqlam al-Sitta ), que se tornaram a base para todos os outros estilos. Estabeleceu um sistema de escrita proporcional que usava um círculo com o diâmetro da letra 'alif como base. Escreveu extensivamente sobre a arte da caligrafia e criou teorias da forma das letras.

Ibn al-Bawwab (final do séc. X - 1022)


Nome completo: Abu'l-Hasan 'Ali Ibn Hilal, conhecido como Ibn al-Bawwâb ("Filho do porteiro")

Biografia: Nasceu  plebeu,  filho de um porteiro, iniciou sua carreira como pintor de paredes e em seguida, tornou-se um iluminador de livros. Enobreceu a caligrafia, dominou os estilos caligráficos conhecidos e desenvolveu novos estilos. Ele também era imã em uma mesquita de Bagdá, considerado um homem excêntrico que usava roupas estranhas. Escreveu 64 exemplares do Alcorão, dos quais apenas um ainda existe (em Chester Beatty Library, em Dublin).

Realizações: Refinou as regras dos "Seis Estilos" de Ibn Muqla e desenvolveu um sistema de medição proporcional de tal forma que cada letra pode ser medida pela sua altura e largura em pontos.

Yaqut al-Musta‘simi (início do século XIII-1298)



Nome completo: Abu'l-Majd Jamal al-Din Yaqut, conhecido como Yaqut al-Musta'simi porque serviu  ao califa al-Musta'sim.

Biografia: Nascido na região da Anatólia, era um escravo do último califa da dinastia Abássida em Bagdá, al-Musta'sim Billah (1242-1258). Tendo passado quase toda a sua vida em Bagdá chegou ao posto de escriba na corte real. Estudou com uma excelente calígrafa chamada Shuhda Bint Al-'Ibari, uma estudante da escola de Ibn al-Bawwâb. Comprometido com seu trabalho durante a invasão mongol a Bagdá, em 1258, refugiou-se no minarete de uma mesquita onde treinava sua prática de caligrafia, enquanto a cidade era devastada. Sua carreira acabou florescendo sob o patrocínio Mongol e ele fez 364 cópias do Alcorão, das quais várias ainda existem e são altamente apreciadas pelos colecionadores.

Realizações: Refinou os "Seis Estilos" estabelecidos por Ibn al-Bawwâb e inventou o corte inclinado do cálamo. Sistematizou o método de medição proporcional com pontos e desenvolveu a escola de caligrafia que foi seguida por turcos e persas nos anos seguintes.

Mir ‘Ali Tabrizi (1360-1420)



Nome completo: Mir 'Ali ibn Hasan al-Sultani, conhecido como Mir Ali Tabrizi porque  viveu a maior parte de sua vida na cidade de Tabriz.

Biografia: Pouco se sabe sobre sua vida, exceto que ele viveu em Tabriz (Pérsia) e foi um poeta e calígrafo. Ficou conhecido como "o chefe dos escribas" por causa de seu trabalho no desenvolvimento do estilo Nasta'liq. A tradição diz que, após sonhar uma noite com gansos, Mir Ali adaptou a forma e o movimento das asas dessas aves à caligrafia, criando o estilo Nasta'liq.

Realizações: Codificou o Nast'aliq, que se tornou o estilo mais importante na caligrafia persa.

Mir ‘Imad al-Hasani (1554-1615)



Nome completo: 'Imad al-Mulk Muhammad Husayn ibn Muhammad Shafi'al-Hasani al-Sayfi al-Qazvini, abreviado como Mir' Imad al-Hasani.

Biografia: Trabalhou na corte  Safávida de Shah Abbas I  (1587-1629) e era o principal  rival do calígrafo 'Ali Riza' Abbasi. Assassinado em uma conspiração envolvendo os ciúmes de seu rival e um monarca vaidoso, seu trabalho foi  imensamente popular durante sua vida e após sua morte.

Realizações: Muitos estudiosos e calígrafos o consideram o melhor representante do estilo Nasta'liq.

Şeyh Hamdullah (1436-1520)



Nome completo: Hamd Allah al-Amasi, conhecido como Şeyh Hamdullah (Şeyh é a palavra turca para sheikh)

Biografia: Nasceu na região do norte da Anatólia e foi membro de uma ordem dervixe. Estudou caligrafia com o mestre Hayreddin Mar'asi. Quando seu aluno Bayezid II tornou-se sultão em 1481, Hamdullah tornou-se um membro da corte real. O sultão respeitava tanto seu professor Hamdullah que fazia questão de segurar o tinteiro enquanto este fazia seus trabalhos. Quando Bayezid II morreu, Hamdullah caiu em desgraça e se retirou para o país. 

Realizações: Fundador da caligrafia turca moderna, aperfeiçoou os "Seis Estilos" padrão, e era muito estimado pela sua escrita nos estilos Naskh e Thuluth (seguindo a tradição de Yaqut al Musta'simi). Escreveu 47 exemplares do Alcorão, vários dos quais ainda existem na Biblioteca do Palácio Topkapi em Istambul.

Hafiz Osman (1642-1698)


Biografia: Membro de uma ordem dervixe, ficou famoso por suas caligrafias no estilo Naskh. Ele ensinou os sultões Ahmed II, Mustafa II e Ahmed III (falecido em 1736), sendo Mustafa II o que o mais respeitava, (segurando seu tinteiro enquanto ele escrevia).

Realizações: Considerado o maior calígrafo do estilo otomano do século XVII. Renovou a tradição de Seyh Hamdullah, e re-introduziu os "Seis Estilos" que tinham caído em desuso. Seu estilo lentamente substituiu o de Seyh Hamdullah.  Escreveu 25 exemplares do Alcorão e exemplares de seu trabalho são mantidos na Biblioteca do Palácio Topkapi  em Istambul e também pelo colecionador Nasser D. Khalili.  

Hasan Celebi (1937)



Biografia: Este artista é reconhecido internacionalmente na tradição otomana da caligrafia. Até 1987 ele serviu como imã e atualmente ensina centenas de estudantes, dos quais 30 receberam um certificado ou licença ( Ijaza ) de calígrafos.

Realizações: Mestre calígrafo contemporâneo na tradição otomana. Restaurou as inscrições da Mesquita Azul em Istambul. Sua obra pode ser encontrada em mesquitas ao redor do mundo, incluindo África do Sul, Cazaquistão, Bélgica, Alemanha e Turquia.

Depoimento:
O primeiro requisito é amar a arte. O amor vem antes da habilidade. Aquele que não amar o khatt [caligrafia] não terá sucesso. Hoje, eu não consigo escrever o alfabeto latino sem que a minha mão fique trêmula. Quando eu tento  ler um livro, não consigo ler mais de 15 páginas, sem cair no sono. Mas com khatt, minha mão se mantém firme e há momentos em que eu consigo estudar esta arte  por 10 horas ou mais, sem cansar, porque eu adoro isso. Também é necessário ter paciência, um bom ensino e um bom ambiente de trabalho. É importante escrever todos os dias, especialmente quando você é um novato. Eu digo aos meus alunos que eles devem praticar 30 horas por dia!   
Hasan Celebi
(Baseado em Calligraphy Qalam)